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“O mar aos poveiros
Embalou-lhes na espuma a alegre e doce infância.
E rimou-lhes canções d'amor na mocidade,
Deu-lhes na pesca - a vida - e aos filhos a abundância,
Deu-lhes, mais tarde, a morte, e aos filhos a orfandade"

Conde de Sabugosa

Anos 60

Havia borrasca na enseada. O mar encapelado, galgava o porto de pesca, passava a lota e inundava as ruas que estavam no seu caminho, fazendo da Rua 31 de janeiro o seu leito.

Quando mar estava tempestuoso, muito do que nele estava nas entranhas era "vomitado" como se Cronos ali estivesse, vomitando os seus filhos que o mar tinha devorado.

À areia vinha parar tudo, desde bocados dos velhos barcos que ali tinham afundado, como outros objetos, que o mar tumultuoso revolvia nas profundezas, e lançava para fora das suas gárgulas escancaradas.

Sei que me encontrava ali mais o meu irmão mais velho. Outros garotos por ali andavam, vasculhando o areal à procura de moedas ou algo de valor, que as ondas alternosas ali tivessem depositado.

O som do mar bravio era cortado pelos gritos de desespero das pescadeiras poveiras que olhavam o mar onde as pequenas traineiras tentavam a todo o custo entrar na barra.

Quando hoje olho para o mesmo local, o mar bonançoso, sei que muitos de agora, não acreditam que ali houve desespero e morte.

Era uma aflição. Impotentes perante aquela tempestade medonha que se abatera sobre os barcos dos seus “hómes”, rezavam aos santos protetores que os trouxessem sãos e salvos.

O salva-vidas faz-se ao mar tentando resgatar dele, aqueles que devido à força das ondas eram tragados dos pequenos barcos virados.

O mar trazia para a areia não só pedaços de madeira dos barcos ali sepultados, como dos que acabavam de soçobrar.

Saímos dali, não havia condições para ali continuarmos.

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A Lota

25.08.17

"Manhã. Redemoinho de névoa lá no largo; vão chegar as lanchas e os batéis. Uns atrás dos outros à bolina já os distingo muito ao longe. No areal todo de oiro secam redes encascadas, e entre os batéis varados formam-se grupos de mulheres que os esperam. Outras correm. Puxam pelos cabos das lanchas como homens ou carregam a caça que sai do cavername a escorrer. Dois, três barcos já na praia...(...) Mais batéis: é a força da sardinha despejada no areal. Mulheres acodem, o movimento aumenta e os gritos, os gestos, as atitudes imprevistas. Com os dedos metidos nas guelras algumas arrastam os cações sarapintados, as raias espalmadas, os congros ferozes, com a cabeça aberta pelo machado para não morderem a mão que os apanha. (...) – Treze vinténs! catorze vinténs! – o leilão.

Cheira a mar, a peixe e a fartum, e as mulheres curvam-se sobre a pesca e regateiam-na, enquanto em baixo os barcos despejam mais peixe vivo, toninhas, gorazes e a sardinha que começa a alastrar de prata todo o vasto areal. Duas mulheres, de perna, nua e saia arregaçada até ao joelho, engancharam um croque na boca de um peixe-cão e arrastam-no a custo para cima."

Os Pescadores - Raúl Brandão

Era assim no tempo de Raúl Brandão. A venda fazia-se diretamente quando o peixe era descarregado no areal da praia do peixe.

No meu tempo havia já a lota. Os pregões «peixe fresquinhoooo, peixe fresquinhoooo.... » das nossas pescadeiras na venda do pescado, ecoavam por aquele espaço junto à Fortaleza onde uma voz tentava falar mais alto que a outra, mas notava-se uma certa matreirice e um sorriso amigável quando conseguia suplantar nessa venda a amiga adversária.

No fim estavam todas de bem e não me lembro de ver ali, uma zanga séria entre as nossas poveiras.

Era nessa lota que a minha avó abastecia. De canastra à cabeça apanhava a camioneta até Gondifelos, depois ia vender de porta a porta, nem o padre escapava. (1)

Na vinda, trazia a canastra cheia de pão e verduras, quando vinha em excesso, distribuía na "Ilha do Padre" onde morava.

(1) - Chamavam-se "repeteiras" as mulheres que iam vender o peixe às freguesias vizinhas. Quase sempre eram mulheres dos pescadores, o que não era o caso do meu avô. Na minha família não houve ninguém que fosse pescador a não ser por casamento.


P.S. - Agradeço à minha irmã mais velha muito das recordações que aqui escrevo.

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As minhas Tias

09.08.17

Três poveirinhas vestidas à minhota (foto de estúdio). Anos 40.

Tia Mininha;Tia Generosa e Tia Glória

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Meu bisavô Francisco (pai da minha Avó Arminda).

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"Na orla da angra ou enseada de Varzim vive o Poveiro, tipo de pescador original e inconfundível na beira-mar portuguesa... Forte, rude, vive do mar e para o mar."

Santos Graça

Poderia começar pela escrita deste ilustre poveiro, a demanda do povo a que pertenço por terras de Varazim.

Dizem que o nosso povo teve origens num povo nórdico, viking, mas não, antes dos vikings chegarem, já outros povos habitavam esta orla costeira.

Segundo o estudo feito pelo capitão Fonseca Cardoso «O Estudo Antropológico do Poveiro», o Poveiro descende da raça semita de origem cananeana, que viveu nas primeiras idades do Egipto, que fundou Tyro, Sidon, Aratos, Gavira, Carthago... enfim, somos aqueles que por herança nasce, vive e morre pescador.

Mas já não é assim. O Poveiro já não nasce nem morre pescador. O Pescador foi “empurrado” para as Caxinas e, na cidade cosmopolita sobranceira, resta somente uma homenagem àquele que tanto deu de si para salvar os outros... «O Cego do Maio».

A Póvoa do meu tempo modernizou-se, tornou-se uma cidade bonita. Oito anos depois, voltei a vê-la. Admirei-me de não encontrar o bulício de uma cidade que me habituou quando lá ia. O Passeio Alegre (Marginal), a Junqueira local tradicionalmente ligado ao comércio e ponto de passagem onde se encontrava a família, estavam quase desertas. Efeitos da crise ou do vento norte que se fazia sentir.

Mas olho e vem-me sempre à lembrança os bons momentos de menino que ali passei. Era uma terra de pescadores, agora é uma cidade virada para o futuro.

Que continue mas sem esquecer que, um dia, famílias de poveirinhos pela graça de Deus, aportou àquela enseada e foi ali que a Póvoa começou.

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